Poemas e escritos antigos

 LUGAR


Ora, não me queiram falar da angústia. 

A angústia é muito velha. Já se falou muito sobre ela, e nunca a esgotamos.

Acho que é Deus ... se não fosse Deus ... 

Porque só existe Deus desde quando sofro. Se não fosse a angústia, eu não perceberia novidade assim: uma planta qualquer é sempre uma planta de outro planeta. Ou - um moleque doido desliza na lua como um escorregador, gargalhando. (Não haveria mundo). 

Diz Spinoza que Deus é imanente ao mundo. Sem mundo não haveria Deus? Ave, Mundo!

Eu deliro tanto e enfrento monstros piores que o chá-de-lírio pode proporcionar. No entanto, viciei neste jogo.

Respiro um pouco. Do outro mundo vêm-me (eles, eles). Assim posso enxergar no escuro. Vejo uma pedra que está imóvel a quilômetros, à minha revelia. 

Lógico que sou pagão. Uma escultura antiquíssima, a que estou consagrado, vigia-me. Pedras-dores.

Bebo a essência secreta. Sobe-me como uma luz na cabeça.

Iluminando. Luzindo.

Não sou mais contemporâneo. Ora, nunca ouvi falar de Nietzsche ou Maiakovski.

Uma face velha-velha-velhíssima: um feiticeiro real-real-realíssimo. O importante é escolher um caminho, ainda que violento, e não pensar mais. Porque somos homens, somos homens, nada nunca mais que isso. Quando morrermos, teremos deixado de ser homens. Apenas.

Nem matéria nem espírito. Homens. Sinta; mas seremos muito mais poderosos se pensarmos assim, porque um homem pode ser um feiticeiro; um santo ou um assassino. 

Como é amargo este gosto de que preciso beber!

(Não desperdice pensando que você ainda será homem para além da morte, e com um Deus bom e humano!)

Pegar, com a humildade que um budista teria. (Ah! Não cabe budismo nesta confissão alucinada! Não há budismo porque não há mais - nunca houve - Krishna ou Tomás de Aquino!)

Mas agir como um budista, se existissem budistas. Escolher uma flor - a menorzinha, a mais humilde que encontrar na estrada (não, bem! Não a estrada da vida, a estrada de pó - de pó - de poeira!)

E essa flor - pode ser alucinógena - ela vai lhe contar um segredo - uma essência - que terá que levar consigo como castigo por tê-la importunado. 

Ela lhe ditará um haicai (se existissem haicais):

Na escuridão,

uma lucerna cumpria

com seu dever! 

                                            ***

Elisa Marchini Sayeg

Publicado em Composição 2: Assim escrevem os alunos do Bandeirantes.

São Paulo: Colégio Bandeirantes, 1982. Págs. 29-30. 


Comentários


Bem, é um texto que ilustra bem minhas buscas espirituais enquanto estudante do Colégio Banderiantes em 1982. Algumas inspirações livrescas e paráfrases. Acho que encontrei boas construções de frases, e há uma ousadia só possível aos dezesseis ou dezessete anos. 

O haicai também é de minha autoria. 

Obviamente, este texto é uma reflexão de adolescente. E não é uma prescrição para nada, convém lembrar, nesta contemporaneidade discursivamente diferente.

Corrigi dois erros ortográficos da publicação original. 

Elisa Marchini Sayeg 

22.01.21 


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